Nas escolas francesas, conhecidas pela ambição, e não pelo ativismo, os alunos estão pedindo que a mudança climática esteja no centro do currículo, e dizendo às empresas que os recrutam para mudar seus hábitos
- O amplo campus da École Polytechnique, uma das melhores escolas de engenharia do mundo, há muito tempo é um ímã de grandes empresas industriais e energéticas francesas, ansiosas por atrair algumas das mentes mais brilhantes da França.
Assim, quando se anunciou no ano passado que a gigante de petróleo e gás Total estabeleceria um centro de pesquisa no campus, localizado a sudeste de Paris, tudo parecia natural.
Em vez disso, um alvoroço foi criado. Centenas de estudantes votaram contra o centro de pesquisa. Num momento em que engenheiros e cientistas deveriam estar liderando o caminho para um mundo mais sustentável, eles argumentaram, entre outras coisas, que o projeto deu influência indevida a uma empresa que continua sendo líder mundial em combustíveis fósseis.
“Acho perturbador ser influenciado pela Total, que tem uma visão bastante tendenciosa da transição energética”, disse Benoit Halgand, de 22 anos, que está em seu último ano na escola. Ele acrescentou que a empresa “vai querer usar petróleo e gás por muitos anos”.
Um porta-voz da Total respondeu por escrito que o grupo está visando à neutralidade de carbono até 2050 e que seu centro de pesquisa tem “o único objetivo de acelerar a inovação e a pesquisa de energias de baixo carbono”.
O confronto na École Polytechnique foi apenas o mais recente dos ocorridos nos campi de elite da França, há muito vistos por estudantes ambiciosos como o caminho para o sucesso. Agora, os alunos alarmados com um planeta em aquecimento desafiam as corporações que os veem como potenciais futuros funcionários.
“Ao ir para a aula, para o trabalho, participamos de um mundo que denunciamos. A dissonância cognitiva é enorme”, afirmou Caroline Mouille, estudante de Engenharia de 23 anos em Toulouse, no sul da França.
Frustrados pela disparidade entre o mundo com o qual sonham e o que lhes é oferecido, os alunos estão pressionando as universidades a colocar as mudanças climáticas e outras questões ambientais no centro de seu currículo. Algumas escolas tomaram medidas nesse sentido, mas os críticos garantem que ainda não é o suficiente.
O meio ambiente se tornou uma preocupação primária na França, país onde os protestos contra as mudanças climáticas atraíram milhares de adolescentes para as ruas em 2019 e onde o presidente Emmanuel Macron anunciou recentemente um referendo para adicionar a proteção ambiental à Constituição.
O crescente movimento ambientalista nas universidades mais prestigiadas da França, ou “Grandes Écoles”, o tradicional campo de treinamento para executivos corporativos e altos funcionários públicos, tem profundas implicações para a próxima geração da elite do país. O conflito colocou os estudantes contra o consumismo e contra o que consideram ser a natureza lucrativa de algumas das maiores corporações francesas, incluindo a L’Oréal.
O ativismo estudantil das Grandes Écoles era raro no passado, por isso os pedidos de mudança surpreenderam muita gente, particularmente na École Polytechnique, que é supervisionada pelo Ministério da Defesa e onde os alunos, considerados membros das forças armadas, normalmente estão sujeitos à confidencialidade.
Halgand disse que as preocupações ambientais deram origem a uma nova crítica entre os jovens dos sistemas econômico e social de hoje. “No passado, entre os engenheiros, muitas vezes havia essa ideia de criar proezas técnicas. Hoje nos perguntamos: ‘Por quê? Qual é o impacto ambiental e social por trás disso?'”
Em 2018, um “Manifesto para um despertar ecológico”, escrito por alunos das melhores universidades, pediu a inclusão da “transição ecológica no centro do nosso projeto social” e coletou cerca de 30 mil assinaturas de alunos em apenas algumas semanas.
No cerne de suas reivindicações havia uma dura realidade: as questões ambientais ainda são pouco abordadas no ensino superior. Um estudo de 2019 do think tank The Shift Project mostrou que, em 34 universidades francesas, menos de um quarto dos cursos de graduação oferecia cursos sobre questões climáticas e energéticas, e a maioria deles não exigia a obrigatoriedade dessas aulas.
Uma enxurrada de cartas abertas de estudantes tem apelado às universidades para que estas repensem seu ensino de cima a baixo – muitas vezes em termos pouco generosos. “Nossa educação não integra questões ecológicas e sociais de modo suficiente, reduzindo-as, na melhor das hipóteses, a ‘externalidades negativas’, e, na pior das hipóteses, a oportunidades de marketing”, diz uma carta recente assinada por cerca de dois mil alunos e ex-alunos da HEC Paris, uma das principais escolas de negócios da Europa.